Quando era miúda, faziam furor os filmes que tivessem lugar num futuro esquisito, com malta a tomar um comprimido para despachar o pequeno-almoço, a meter-se num hovercraft a caminho do trabalho e a vestir porras que mais pareciam feitas de sacos do lixo carregados de goma. Nunca achei grande piada a isto. Pareceu-me sempre tudo um grande disparate e, agora, posso comprová-lo: em que século estamos? Em que ano estamos? Eu cá continuo a ver o pessoal a sacar as remelas com água da torneira; a enfiar um pão com manteiga no bucho enquanto procura as chaves do carro, de quatro rodas, que só andam na estrada, sem asas, fuminhos e faíscas estranhas a sairem-lhe do escape; a ir trabalhar com ar de enfado e já muito chateado porque não encontrava as chaves.
Agora, filmes de época, esses sim já eram para mim. Adorava imaginar-me naqueles tempos, com aquelas indumentárias, aqueles costumes. É uma parvoíce, bem sei, porque não haveria, com certeza, o conforto que há hoje, mesmo sem comboios a atravessar os céus e leggings justas de plástico preto (ups...). Mas até eu já me habituei às minhas parvoíces e nem as questiono.
Há uns dias, cruzei-me com fotografias antigas, com mais de um século, da cidade onde vivo. Fui vendo os prédios serem acrescentados, a vista para o mar desaparecer, o monte que via lá ao longe ser tapado, o descampado onde brincávamos na lama ser ocupado, as casas novas serem casas velhas e as velhas ruírem. Fui-me habituando a estes novos cenários, mas, quando vejo estas fotografias, transporto-me imediatamente para aquelas ruas que agora calco tantas vezes, para lá e para cá, e sinto-me em casa. Nunca lá estive. Mas sinto-me em casa.