O último post deixou-me a pensar. Eu, que sou uma gaja apaixonada pela complexa relação poligâmica entre fonemas e grafemas, tenho afinal a minha história alicerçada em silêncios.
Lembro-me, com mais consistência do que seria de esperar, do silêncio da rua dos meus pais à hora do almoço, sob o calor incandescente de Agosto. Lembro-me de reparar que o som dos talheres contra os pratos furava as janelas e batia colericamente contra a mudez daquela hora.
Lembro-me do silêncio das tardes, durante as sestas fastidiosas na Mata, apenas quebrado pela buzina da carrinha da peixeira. Ainda sinto a cabeça coberta (a fingir a noite) pelo cobertor áspero e castanho. E ainda consigo ver o tigre rabugento a tentar saltar do cobertor para o quarto do meio, onde me infligiam aquelas horas de sono gratificante.
Lembro-me do silêncio do anfiteatro da faculdade, durante as frequências, e de só ouvir canetas a fustigar o papel e o meu coração a sangrar. Duas vezes.
Lembro-me do silêncio do início das relações, primaveril, do que se impunha no seu fim e ainda do que ficava depois dele.
Lembro-me do silêncio que invadia a barraca, na praia do carvalhido, às 21 horas, quando as gaivotas iam para casa. E eu também.
Lembro-me de tantos silêncios que acho que é por isso que gosto de viver no meio da confusão. Para não me esquecer de que não consigo viver sem eles.