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domingo, 1 de abril de 2018

Outro sentido

Devemos ter outro sentido. Um que comanda todos os outros. Aquele que destrava as memórias que temos amarrotadas lá para o fundo da gaveta. 
Hoje, quando ouvi o estridular do sino do compasso, senti o cheiro das folhas de hera e das pétalas dos junquilhos esborrachadas no pátio pelos passos incessantes de sapatos a estrear. Revi a mesa da sala que só abria portas para ocasiões solenes farta de pão-de-ló caseiro com a espessa fatia de queijo a entremear as duas porções amolgadas por dedos pequenitos. Senti-lhes o sabor: ora esponjosidade ora rijeza, ora tradição ora magia. Veio-me, então, à ideia a visita de estudo que fizemos na escola primária a uma fábrica de queijos e do fascínio que de lá trouxe pelo coalho. E daquela mesa pascal passei para a mesa da outra cozinha, aquela onde amassávamos a massa de filhós e voltei a sentir o seu perfume azedo enquanto levedava e segurei outra vez o cortador ondulado entre a mesa e a mão ainda nova da minha avó e os miúdos entraram a correr e fizeram-me voltar a sentir-me nos meus pés.

Memórias dentro de memórias.
Outras Páscoas.