Se tenho o que gostaria de ter aos 37 anos?
Tenho a imagem dos meus filhos a rasgar-me a córnea todos os dias e a infiltrar-se no mais profundo de mim. Sinto-lhes o cheiro quando lhes roubo beijos à socapa à noite e lhes sinto o perfume da respiração no meu ouvido sempre que contam o segredo mãe, gosto tanto de ti. E os abraços? Ai, os abraços... Aquele aperto que é bom mas chega a doer de tão sentido que é.
Desenvolvi, ao longo destes últimos anos, uma saliva que limpa chocolate seco da cara, do cabelo e da t-shirt e beijos que curam.
Nada me dá mais gozo do que jantar de joelhos uma vez por semana, em frente à televisão, numa mesinha pequena para crianças do ikea, a apertar cotovelos uns contra os outros.
Tenho a sorte de estar numa família que é tão minha e de eu ser tão um-bocadinho-de-cada-um-deles. De estar rodeada de pessoas que são capazes de um amor e de uma dedicação de conto de fadas.
Ganhei a força para fazer só o que gosto: já não há lugar para muitos fretes aos 37 anos. Saem disparates, entram asneiradas, mas consegui transformar-me numa espécie de trituradora que transforma mágoas em sorrisos imaculados. Demorei a construir, mas só assim foi possível aprimorar as lâminas. Lâminas de serenidade.
Se tenho o que gostaria de ter aos 37 anos?
Nem por isso. Falta tudo o resto. Mas está bom assim por enquanto.