Ando cá desconfiada que o meu filho mais novo acha que já sabe ler e que lê em todo o lado rasga-me, espatifa-me, destrói-me.
Numa loja de brinquedos, o João apontou-me um puzzle de trinta e tal mil peças. Levantou o sobrolho e sorriu. Não, João, nem penses. Trouxe-lhe um livro de mitologia grega (agora anda virado para os embates entre deuses, semi-deuses e titãs). Quando chegamos a casa, deixei-o em cima do sofá, para que o pudesse ler quando quisesse. Acontece que quem lá chegou primeiro foi o Pedro. E eu, ali ao lado, bem que ouvia um som estranho. Vim mais tarde a perceber que era o som do rasgar. Desfez o livro em pedacinhos. Estive horas a colar tudo, todas aquelas imagens monocromáticas e carregadas de deuses e deusas e ninfas e musas com aquelas vestes todas iguais e aquelas caras todas iguais e aquelas barbas todas iguais. Quando acabei, olhei à minha volta e o João estava a observar-me:
Estava aqui a pensar, mãe, com que então não querias o puzzle das trinta e cinco mil peças, hein?