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sábado, 24 de junho de 2017

Tem uma coisa boa o pai cá de casa - faz tudo para me ver satisfeita. Bem, tudo não, mas quase tudo. 
Peço-lhe que deixe a casa a arejar quando sair. Mas é para deixar tudo aberto? Sim, tudo, não te esqueças da lavandaria. Ok, até logo. Quando chego a casa, tenho a pasta de dentes aberta, a tampa ao lado: devia estar a arejar. As gavetas dos armários da cozinha abertas: estavam de certeza a arejar. A toalha em cima da mesa e a caneca do pequeno-almoço em cima do sofá: estava tudo a arejar. Sanitas, saco do lixo, máquina de lavar: a arejar também. 
Só é pena esquecer-se de abrir as janelas.
Quando era miúda, interessavam-me os livros e as suas narrativas. Depois cresci e achei que aquilo a que me dedicava profissionalmente era a minha melhor decisão e que tinha nascido para contar estórias. Não percebia nada disto de escolhas. O meu melhor papel é o de mãe, caramba.  É no que me sinto eu. Nada se compara a esta história, na qual não é o tempo que passa que nos acompanha, somos nós que tentamos acompanhá-lo, sentindo-o a escapar-se por entre colos e cantigas de embalar, depois entre as tradições que vamos criando nas nossas crianças, que se tornam, entretanto, adolescentes que renegam essas memórias, escondendo sorrisos de saudade no canto da boca. Sei-o agora com firmeza: nada faz de mim mais eu do que ser mãe.