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sábado, 28 de abril de 2018

Temos um clube de leitura cá em casa: "A páginas tantas" - sugestão do João. O Pedro gostou da ideia e mal pode esperar por participar nas tertúlias com mais do que livros com poucas letras. 
Depois de despachar os novos, fui buscar os meus clássicos. Tem sido um espanto relê-los agora, depois de tanta vida entre esta vez e a outra. 
Mas hoje, hoje senti um choque que me arrepiou até ao quark mais pequenito. Estou a reler o meu favorito de todos os tempos. Pelo caminho, vou encontrando anotações, poemas (que mania a minha, escrever em tudo o que aceitasse tinta ou carvão), esboços e datas. Não sabia bem por que o fazia, mas tinha mesmo uma obsessão por ir cravando datas em tudo o que me passava pelas mãos. Hoje percebi porquê.
Numas das últimas páginas, entre a emoção das despedidas da história e a emoção de recordar que as lágrimas já me lambiam a cara, naquele dia, na carruagem dos bancos de couro macio, gasto no comboio para o Porto, encontrei uma data. Havia mais: havia a hora exata. 

                     

Vinte anos. Vinte. 
Como assim o comboio já chegou à Avenida de França? 
Perdão, agora é Casa da Música.

domingo, 1 de abril de 2018

Outro sentido

Devemos ter outro sentido. Um que comanda todos os outros. Aquele que destrava as memórias que temos amarrotadas lá para o fundo da gaveta. 
Hoje, quando ouvi o estridular do sino do compasso, senti o cheiro das folhas de hera e das pétalas dos junquilhos esborrachadas no pátio pelos passos incessantes de sapatos a estrear. Revi a mesa da sala que só abria portas para ocasiões solenes farta de pão-de-ló caseiro com a espessa fatia de queijo a entremear as duas porções amolgadas por dedos pequenitos. Senti-lhes o sabor: ora esponjosidade ora rijeza, ora tradição ora magia. Veio-me, então, à ideia a visita de estudo que fizemos na escola primária a uma fábrica de queijos e do fascínio que de lá trouxe pelo coalho. E daquela mesa pascal passei para a mesa da outra cozinha, aquela onde amassávamos a massa de filhós e voltei a sentir o seu perfume azedo enquanto levedava e segurei outra vez o cortador ondulado entre a mesa e a mão ainda nova da minha avó e os miúdos entraram a correr e fizeram-me voltar a sentir-me nos meus pés.

Memórias dentro de memórias.
Outras Páscoas.