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quarta-feira, 28 de março de 2018

Aquilo da gaveta dos bodies já lá vai, mas...

Há uns dias encomendei uns vestidos online. Já os tinha visto na loja física e embora o preço não me tivesse seduzido, fiquei a pensar neles. Sabia que ia estar fora de serviço durante uns tempos e não conseguiria apanhar as promoções, portanto coiso e tal e chegaram hoje. Ainda que não esteja em condições físicas para os experimentar, pedi ajuda e lá verifiquei que o tamanho era aquele. Enquanto isso, fui recebendo sinais de que os rapazes cá de casa não gostam lá muito de me ver de vestido e que aquelas minhas escolhas não iam ajudar muito a mudar essa opinião. Que pena. Eu gosto deles. Dos vestidos. Dos rapazes mais ainda. O que acontece é que, quando estamos em baixo, sabe bem ouvir coisas boas, não que fazemos más escolhas em termos de encomendas, portanto, como nos conhecemos bem, o meu silêncio indicou que não estava lá muito aflita com o facto de não gostarem e que os vestidos eram para mim, não para eles e que os miúdos não eram para ali chamados, uma vez que até estavam na sala e ainda não tinham visto os vestidos e ajuda-me mas é a tirar este para poder voltar para a cama. Ainda o fecho ia a meio das costas quando o João passou a correr. Tinha ia buscar qualquer coisa ao quarto. Voltou para trás mantendo o mesmo ritmo nos passos e atirou-me, com o seu ar sensato do costume:
- Mãe, não vais agora limpar a casa depois de seres operada, pois não? Tira o avental e deita-te a descansar!
Não sei se o que ouvi a seguir foram os passos do João de volta à sala, se foram as gargalhadas engolidas do pai enquanto me tirava o vestido para me devolver ao descanso.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Sou uma mariquinhas

Tenho uma aflição arreigada em relação a agulhas. Desde que me conheço que vacinas, análises, injeções, tudo o que envolva uma agulha perfurar uma qualquer parte do corpo, o meu ou o de outrem, me dá calafrios. Aperto os dentes uns contra os outros só de pensar nisso. Já experimentei de tudo: desviar o olhar, pensar noutra coisa, imaginar-me noutro sítio, conversar com quem lá está, falar sozinha, cantar e até, durante cada gravidez, enfrentar a coisa acompanhando cada passo fixamente. Ajudou durante uns tempos, especialmente vê-la furar a pele e seguir o curso do sangue até aos tubos, a etiquetagem, novo tubo, por aí fora. Mas acabo por voltar sempre a esta impressão visceral que me causam as agulhas, as veias, o sangue.
Ora, quando me vi na necessidade de ser operada, com recurso a anestesia geral, que nunca tinha feito até aqui, andei uns bons dias a remoer, a construir cenários e fazê-los desabar, a temer e a tremer. Convenci-me que era este pormenor da anestesia que me deixava mais tensa.
No dia da cirurgia, durante a preparação, quando chegou a hora de introduzirem o cateter, respirei fundo e revivi a aflição. Doeu ainda por cima. E doeu muito. Queixei-me. E foi aqui que a minha relação aquietadora com as agulhas e todo o processo que envolveu aquele dia começou. 

- Ai... - queixei-me então.
- Dói? É natural: esse é o cateter mais grosso que cá temos.

Olhei para a veia e vi o tubo enorme que lá tinha enfiado, causando-me uma dor imensa (mais na confiança na verdade) e uma montanha no dorso da mão.
Descemos entretanto para o bloco. Pelo caminho, cruzamo-nos com pessoas que sorriam para mim, ou do meu nervosismo indisfarçável.

- Vamos agora entrar no elevador. A ver se despachamos isto que já vi que está nervosa.
- Pois estou. Terá alguma coisa a ver com o facto de ter o seu cateter mais grosso enfiado na minha veia?
- É natural que esteja assim. Olhe eu cá nunca fui operada e ainda bem! Nem sei se era capaz! Que horror! Ainda por cima para nós é ainda mais complicado, porque sabemos exatamente o que se passa lá dentro.
- Hummmm... sinto-me melhor agora...
- É que nem imagina! E ainda por cima ser entubada e tudo... que horror!
- Estava aqui a pensar: acha que dá para a anestesista vir tratar de mim já aqui no elevador?