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quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Não há como não adorar os sons desta casa.
Primeiro o mamã, mamã!
Depois o mãe, oia!
Agora o mãe.
O som do piano ao fundo. Dantes a duas, agora a quatro mãos.
As mesmas quatro pousadas no meu colo, emaranhados no sofá.
Não como não adorar os sons desta casa.
Às vezes páro e julgo ouvir estes sons vindos do fundo do mar, mergulhada na imensidão dos dias que passam inadiavelmente. É quando parece ser possível abrandá-los.
Não há como não adorar. É tão fácil: é só estar atenta. E ouvir os abraços.


terça-feira, 27 de agosto de 2019

Encher o peito de colo

Num dia somos crianças, lambemos o sal da pele, adormecemos no colo dos pais, apanhamos espadas do chão da floresta, saltamos e choramos e rimos.
No outro, já crescidos, lambemos feridas, adormecemos ao colo os filhos, saltamos menos mas recolhemos memórias em vez de espadas e ainda choramos e rimos. Com elas.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A nossa enfermeira é amorosa. Conhecemo-nos desde que nascemos como família. Sabe tranquilizar os miúdos naqueles momentos maldosos mas necessários durante as visitas que lhe fazemos. O truque hoje foi:
Pedro, conta até 3 e diz-me quem é a miúda mais bonita que conheces!
Aos 3, a agulha faz das suas e o Pedro diz, com naturalidade,
A mãe


💗

terça-feira, 11 de junho de 2019

Os homens e os gadgets

O homem comprou um relógio com várias funções. Ele é bússola, ele é GPS, ele é medidor de velocidade, ele é osciloscópio, ele é altímetro, ele é monitor de ritmo cardíaco, ele é pedómetro, ele é treino por objetivos, ele é medidor de calorias, ele é monitor de sono e de stress, ele é sensor de cadência.

Um desperdício. Dava-me os 300 euritos, que eu faço isso tudo diariamente. E, como sou muito mais chata insistente, vai-se a ver e faço mais efeito do que um gadgetzinho. Toda a gente que tem conhecimento proverbial sabe que mais vale uma gralha nos ouvidos do que um relógio no pulso

Vejamos: bússola. Se lhe juntasse um astrolábio e uma balestilha e nos levasse a todos ao Brasil é que era fino. É que está aqui um vento frio que dói. GPS? Depois da bússola, não faria muito mais sentido que o relógio trouxesse um astrolábio? E comigo a indicar-lhe constantemente o caminho terrestre para a cozinha precisa de bússola? Really?! Atrás desse vêm logo o medidor de velocidade, o osciloscópio, o altímetro e o monitor de ritmo cardíaco - quando alguém está no sofá enquanto eu ando em contrarrelógio e pergunta o que é o jantar, a tampa que me salta imprime logo velocidade, oscilação, altitude e ritmo que cheguem ao momento! Quanto ao pedómetro, agora já vai tarde. Fixe, fixe era que tivesse decorado quantos passos são do nosso quarto ao dos miúdos quando eram pequenitos. Relativamente ao treino por objetivos, isso já andamos a fazer cá em casa há uma porradona de anos no que toca às secções de lavagem, secagem e engomadoria. Ainda há muito caminho a percorrer. Medidor de calorias. Não há onomatopeia que chegue para a minha gargalhada. A porta do frigorífico chia, pá! Nós ouvimo-la à noite quando já tudo está na cama! Aí está o "medidor de calorias"! Monitor de sono. Nem sei se comente isto. Ressonar toda a noite não mede que chegue? E podemos dispensar o medidor de stress: os palavrões são um excelente indicador de que foi a outra equipa a marcar. No que toca à cadência, to-dos-os-di-as. É essa a cadência a que nos devemos agarrar para colocar a roupa suja no cesto. Dentro do cesto. Não em cima da tampa, para que fique claro. Parece-me que as funções de relógio, alarme e cronómetro chegavam, mas até essas posso ser eu a desempenhar. Só não o faço, porque não quero ser aborrecida. E porque não fiquei com os 300 euros.

domingo, 26 de maio de 2019

Passaram por mim no corredor. Iam em direção ao WC. Os chinelos de ambos tinham ficado na sala. À porta, pararam e o João deu boleia ao irmão em cima dos pés. 
- Estás meio constipado, não quero que vás descalço para o chão frio da casa-de-banho- sussurou-lhe ao ouvido. O meu coração atento ouviu.


💓

Sabes, mãe, acho que afinal não posso casar contigo: não consigo pegar em ti ao colo para te levar para dentro de casa!...

sábado, 27 de abril de 2019

Tão literal!

Em casa da tia há dois gatos. Nenhum deles dado a pessoas. O Pedro tem pena que assim seja. Mas o primo explica...

Por que é que o gato não me liga?
Porque eles têm medo de estranhos.
Mas eu não sou estranho, sou um menino normal!






Jogo limpo

Numa visita ao Castelo de Guimarães, um dos funcionários responsáveis pela verificação dos bilhetes ia fazendo uso do seu apito a alertar os turistas para o perigo de se sentarem nas ameias para tirarem fotografias. Após a valente apitadela, gritava Ó senhoras, saiam daí! Não podem estar aí sentadas! A coisa repetiu-se diversas vezes e, de cada uma delas, o João e o Pedro desviavam a atenção do que estavam a observar para a estridência do funcionário e para os olhares de desprezo das senhoras das ameias. Quando chegámos nós aos merlões, o Pedro avisou:

Ninguém de aproxima da muralha! Não ouviram o árbitro?

domingo, 31 de março de 2019

Da importância de lavar o nariz com soro. Ou a mentalidade.

Os homens não choram.
Não mostram fraqueza em público.
Não mudam a fralda aos filhos nem os adormecem.
Não estendem roupa.

Parece antigo e despropositado, mas não é. É atual, é comum e estranhamente vigente em muitos lares.  

É por estas e por outras que, cá em casa, quando os miúdos se assoam, em vez do costumeiro "Assoa-te como um homem", ouvem "Assoa-te como uma mulher em trabalho de parto". É garantido que a ranhoca sai toda.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Prefiro pintar as unhas em casa. O problema é que não tenho paciência para esperar que sequem e ando durante não sei quanto tempo a jogar ao mikado com talheres, papéis, roupa por arrumar e crianças que não sabem entreter-se sozinhas.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O João escreveu uma carta de São Valentim!!!!! Pelo que percebi, uma carta muito cândida, ingénua até, de uma doçura que me arrepia. Este menino está pronto para a vida. Que seja boa.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Depois do burnout do ano passado, mariekondoizei-me e passei a aplicar os princípios de organização que me faltavam: era mesmo caótica, sem qualquer noção da ordem e da arrumação. Agora, finalmente, sou uma mulher diferente. Tornei-me uma pessoa com brio, uma pessoa que sabe como deve ter uma gaveta, como tem de estar uma prateleira. Essencialmente, passei a ser uma pessoa que não perde tempo com parvoíces e vai direta ao assunto da manutenção de um lar como ele deve ser. Assim, comecei a estender a roupa por ordem. Primeiro, a que sai da máquina logo, só depois a que fica lá, porque o acesso ao tambor é limitado. Para quando uma máquina com a porta do tamanho do painel frontal para enfiarmos lá dentro a roupa já com as molas na corda, quais lenços coloridos amarrados uns aos outros a sairem da boca de um mágico, e depois sacarmos tudo dali já montado para ser só esticar a corda e seguirmos viagem? Estou a brincar. Não estou nada.
Portanto, dantes, as meias iam para o estendal já aos pares. Mas aquilo era um trabalho de merda, porque, enquanto estava ali a tentar encontrar o par, estava sempre a pensar se não seria melhor pô-las a secar à balda e só no momento de apanhar a roupa fazer aquela seleção. Nenhuma das duas me parecia suficientemente satisfatória. Tinha sempre pressa para despachar a tarefa de pôr roupa no estendal e tinha sempre pressa para a recolher. Assim, optei por atirar tudo monte para o estendal e aquilo vai secando para ali. Quanto às cuecas, penduro-as por uma ponta com a mola e, já secas, faço um molho e vão assim para a gaveta. Em dias bons, faço uma espécie de resma de cuecas, esticadas e empilhadas, que aquilo de as dobrar faz muitos vincos.  Parecendo que não, tê-las assim faz-me ganhar espaço na gaveta e poupa-me imenso tempo quando vou buscar uma delas: é ir tirando por cima, uma espécie de mahjong de tangas. 
Com lençóis a coisa não é muito diferente. A guru aconselha-nos a tirarmos de casa tudo o que não nos dá alegria. Os lençóis de elástico foram todos com o caraças. Antes isso que andar na net à procura de técnicas para os dobrar. Ou pior: ter que ser eu a descobri-las! As toalhas vão enroladas em forma de tubo para o armário. Quando deixam de caber é sinal que não me trazem alegria e rua com elas. 
Mas o que eu queria mesmo era que a senhora viesse cá a casa ajoelhar-se no meio da sala. Enquanto agradecia às paredes por deixarem entrar aqui mais uma maluca, aproveitava para ver se há cotão encalhado debaixo do sofá. A mim já me custa baixar-me.


sábado, 9 de fevereiro de 2019

Uma pessoa guarda os chinelos de verão no armário numa zona assim para o mais recôndita de forma a não estorvar. Há doze anos que é assim. Uma pessoa guarda, também há doze anos, os pijamas de inverno na gaveta do outro lado mais à mão de forma a ser fácil encontrá-los, porque uma pessoa sabe que ir buscar um pijama à gaveta depois de se tomar banho tem que se lhe diga. A gente sai assim meia desorientada, com as extremidades ao relento e nem pensa direito. 
Ora, vai daí, o homem de uma pessoa pergunta lá do quarto, naquela voz desesperada de quem não quer acordar os miúdos mas tem os miúdos a arrefecer onde estão os pijamas? Uma pessoa responde, com receio de acordar os meninos, mas com os pés quentinhos e a boca a tapar a gargalhada, que estão onde sempre estiveram. É a resposta que uma pessoa mais gosta de dar cá em casa. Quando uma pessoa ouve a porta do armário a abrir do lado errado, a gargalhada sai. Mexe que mexe e volta a mexer e o sacana do pijama não aparece. Também é por isso que uma pessoa costuma levar o pijama consigo para a casa-de-banho e o veste praticamente dentro da banheira. Mas enfim, porta abre e porta fecha e nada de pijama. Lá vai uma pessoa apanhar frio nos pés para poder mostrar que ele estava onde sempre esteve, que mais vale ficar arrepiada mas garantir que mostra que tem razão. Quando chega ao quarto, todo o conteúdo do armário do lado errado estava cá fora. Uma pessoa compreende, uma pessoa também fica com náuseas perante merdas como esta. Lá vai o pijama para cima da cama e os pés de volta para o quentinho. Os chinelos de verão, que estavam, no início deste texto, no armário numa zona assim para o mais recôndita de forma a não estorvar, já não voltaram para lá. Ficaram no meio do quarto. Durante vários dias. A estorvar. Mas só estorvavam segundo uma pessoa, porque quem não os guardou nem dava por eles ali no meio do quarto. 

Só não compreende quem não quer compreender. Uma pessoa calça o 37, é um número pequeno para chinelos no meio do quarto. E são fúchsia, que, como todos sabemos, é uma cor discreta.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Questões avulsas

1. Uma questão que me atormenta nesta época de saldos: quem caralho inventa os looks para as modelos do site da z a r a? A ideia é fazer-nos acreditar que não se lavam há umas semanas e vestiram peças que já não servem às primas mais velhas? Pois bem: resulta.

2. A minha memória, que já se sabe padecer de uma qualquer espécie de miopia para memórias, está cada vez mais eficiente. Agora consigo lembrar-me do que ia fazer à cozinha! Visto que mais ninguém trata da comida nesta casa, é fazer as contas.

3. Pelos vistos agora a moda é a A S M R. É compreensível. Pelo menos esses ninguém tem que fingir.